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“A Última Floresta” é um olhar de urgência pela proteção dos Yanomami, diz diretor

“Os brancos não nos conhecem. Seus olhos nunca nos viram. Seus ouvidos não entendem nossas falas. Por isso, eu preciso ir lá onde vivem os brancos.”

22/04/2021 às 13h26
Por: beija flor Fonte: AMAZONIA REAL
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Depois de ser exibido em março no Festival de Berlim, filme sobre o povo Yanomami estreia no Brasil, neste domingo (18). A imagem acima é uma foto still do filme (Foto: Pedro J Márquez)
Depois de ser exibido em março no Festival de Berlim, filme sobre o povo Yanomami estreia no Brasil, neste domingo (18). A imagem acima é uma foto still do filme (Foto: Pedro J Márquez)

Manaus (AM) – Um jovem Yanomami se sente atraído pela sedução do minério e do ouro, ao encontrar um amigo na floresta. De volta à aldeia, fica pensativo e quieto, e Davi Kopenawa Yanomami logo percebe. Com tranquilidade e com a força de uma história de décadas de luta em defesa do território de seu povo e calejado por anos de ameaças e perseguições e perdas de muitos outros jovens para o garimpo, explica ao rapaz, tendo como companhia apenas o silêncio e a escuridão da noite, dentro da maloca:

“As mercadorias deles podem enfeitiçar a gente. Eles parecem bons. Querem ajudar. Mas quando você fica sozinho, ninguém se importa com você, e você passa fome. Tem fome e não tem o que caçar. Não te dão um lugar para dormir. Somente na nossa floresta você pode dormir em paz”. Esta declaração de alerta é um dos momentos mais fortes do filme “A Última Floresta”, dirigido por Luiz Bolognesi (de “Ex-Pajé”).

Depois da estreia mundial, no início de março, no Festival Internacional de Cinema de Berlim, exibido na mostra Panorama, “A Última Floresta” será exibido pela primeira no Brasil neste domingo (18), na 26ª edição do É Tudo Verdade – Festival Internacional de Documentários, às 19h (horário de Brasília), transmitido gratuitamente pela plataforma de streaming Looke. A exibição online é limitada para 2 mil espectadores.

Nesta segunda-feira (19), para marcar o Dia do Índio, a produção do filme promoverá um debate transmitido pelas redes sociais da ong Instituto Socioambiental, a partir de 19h30 (horário de Brasília), com as presenças de Davi Yanomami, Ailton Krenak, Sonia Guajajara e Luiz Bolognesi.

“A Última Floresta” retrata a vida e os costumes do grupo Yanomami, e mostra como a presença ilegal da exploração do ouro no território, que voltou a crescer nos últimos dois anos, está colocando em risco a população indígena e a floresta. Desde 2019, os líderes Yanomami alertam para um novo e ameaçador aumento de garimpeiros no território. Somente em 2020, foram identificados 500 hectares de degradação ambiental causado pela atividade ilegal de extração de ouro.

Em entrevista à Amazônia Real, na última sexta-feira (16), Davi Yanomami, que assina a coautoria do roteiro junto com Bolognesi, disse que o propósito de ter aceitado que a história de seu povo fosse levada ao cinema foi chamar atenção para “o erro do povo da cidade”. “Quero mostrar para a sociedade não-indígena que nunca viu o povo Yanomami, de Roraima e do Amazonas, que nunca conheceu, nunca andou ou viu de perto, a realidade como vivemos”, disse ele.

No filme, Davi Yanomami faz o mesmo alerta. “Os brancos não nos conhecem. Seus olhos nunca nos viram. Seus ouvidos não entendem nossas falas. Por isso, eu preciso ir lá onde vivem os brancos.”

Davi Kopenawa Yanomami, que ficou a maior parte do período da pandemia da Covid-19 na aldeia Watoriki, está passando uma temporada em Boa Vista (RR), depois de tomar as duas doses da vacina contra a doença. Ele disse à reportagem que não pretende viajar ou participar de lançamentos presenciais.

O longa-metragem, de pouco mais de uma hora, costura uma narrativa que mistura o cotidiano do tempo presente, as ameaças do garimpo, a sedução do ouro e vai até às origens do povo, quando o criador Omama pescou com cipó Thuëyoma, um peixe em forma de mulher, e se apaixonou por ela. O casal gerou os Yanomami.

Aliás, a presença feminina é forte na produção. Em certo momento, uma das “personagens”, em trabalho coletivo de confecção de cestarias, diz às outras mulheres Yanomami: “Os antepassados não ensinam à toa. Criar uma associação de mulheres seria bom. Poderíamos trocar mais cestos por alimentos. Os cestos ensinados por Mamurona. Assim, poderemos depender menos dos homens. Nós, mulheres, podemos tecer mais, se estivermos juntas”, diz ela.

No trecho “fictício” do filme, o marido da jovem mulher Yanomami ‘desaparece’ na águas enquanto caçava, levado por um ser sobrenatural. Angustiada, pede ajuda dos pajés para resgatá-lo. “Os espíritos malignos têm muitas formas. Yawarioma , peixe em forma de mulher, pode ter atraído ele para o rio. Mas também pode ter sido levado pelo espírito maléfico do minério. Muitos foram embora assim”, diz Davi, enquanto conversa com um xamã mais idoso.

A ideia de levar para as telas a vida dos Yanomami partiu de Bolognesi, enquanto ele filmava com povo Paiter Suruí, em Rondônia, o filme “Ex-Pajé”.

“Eu estava fazendo um filme que mostrava o pajé oprimido pela igreja evangélica, destituído de sua potência, de seu poder político, científico e mitológico. E eu sei que em muitas aldeias, nações indígenas, há muita resistência e muito força dos xamãs, e concluí que eu precisava fazer um filme que mostrasse um lado oposto desse pajé, um lugar onde os xamãs estão potentes, no epicentro político, filosófico, científico e cosmológico daquele povo”, conta o diretor.

As filmagens foram feitas em junho de 2018, na aldeia Watoriki, na região do rio Demini, localizada no município de Barcelos (norte do Amazonas), na Terra Indígena Yanomami. A equipe da produção do filme ficou na comunidade durante quatro semanas.

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